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quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Zona de Conforto

Postado em 22 de outubro de 2012 | Por :  | Categorias : Artigos | 1 Comentário
Zona de conforto
Interrompo a série que trata de temas mitológicos e inicio uma sequência de textos críticos ao discurso “oficial” dos entendidos sobre liderança. Foi necessário tratar da questão da transcendência para poder combater alguns vícios que lançam raízes na essência.
E começo com esse confronto que sobe a correnteza: vou defender a mal falada “zona de conforto”.
Há um longo tempo vem crescendo, incessantemente, a demonização do conforto dentro dos ambientes de trabalho. As revistas direcionadas para o mundo corporativo, bem como as seções de jornais especializadas, as páginas virtuais de consultores e palestrantes e as conversas ciclotímicas de executivos, isso tudo ostenta a preponderância da nova cruzada autodestrutiva das corporações: retirar as pessoas da zona de conforto.
Quando me surge alguma oportunidade eu tendo a fazer a seguinte pergunta: “Se estivéssemos em uma tarefa de produzir um novo e ótimo projeto para ser apresentado, em pouco tempo em um local distante mil quilômetros daqui e fossem oferecidas duas alternativas, seja a condição de se desenvolver tudo ao longo do deslocamento , tendo um monociclo como meio de transporte e um computador lento com tela de fósforo, seja realizar a tarefa contando com um carro bastante confortável, com uma pessoa simpática e experiente para guiar e ótimos recursos tecnológicos, como você acha que o resultado sairia melhor?”
Embora as fisionomias e a entonações variem bastante, até hoje a resposta foi sempre a mesma, inclusive quando estive em palestras para algumas centenas de pessoas.
Para não deixar o argumento secar em terreno impróprio, estendo minha ideia dizendo que retirar uma pessoa de sua zona de conforto dentro da empresa ou em sua carreira profissional (e em qualquer outra circunstância), quase sempre, é um jogo de poder que garante ainda mais conforto a quem faz isso. É um ato perverso. Em outras palavras, o “gestor” se vale de seu poder para perturbar o conforto de alguém de modo a garantir a perpetuação de seu próprio conforto. E chama a isso de “liderança”.
Com esse argumento, justifico a importância da postagem anterior (clique aqui para ler) para que possamos pensar sobre o que é um gestor. O sábio e culto Houaiss ensina que a etimologia dessa palavra remonta a “o que traz ou leva novas, delator, administrador”. Ora, o que “leva ou traz novas” não é ninguém senão Hermes, o leva-e-traz do Olimpo, motivo pelo qual ele foi chamado de “daimonion”, termo que se tornou, pejorativamente, “demônio” em português, mas não tem esse sentido em sua origem grega.
Portanto, o administrador é um delator se não souber administrar seu poder de fluir entre céu e terra, se não souber lidar com a “tentação demoníaca” do poder sobre o conforto. Por isso falei, acima, que o conforto foi demonizado. A arte da gestão reside, profundamente, na delação do vício por meio do qual a pessoa tende a se ocultar de si mesma, e isso pode ser um pouco mais complexo, ou hermético.
Se preciso esclarecer, quero frisar que grande parte desse problema é a confusão entre conforto e acomodação, ou entre zona de conforto e zona de acomodação.
O exercício da liderança (e da gestão) exige, em sua ética fundamental, o combate à zona de acomodação, por dois principais motivos: primeiro porque a estagnação dentro do que é cômodo prejudica o protagonismo rotativo (ler aqui), travando a Roda da Vida (que na verdade é uma espiral) e prejudicando o crescimento das partes e do todo, na dinâmica da Espiral. Segundo, e por conseguinte, essa acomodação prejudica o próprio ser em seu processo de aperfeiçoamento. Desse modo, o gestor deve delatar o vício da acomodação pondo-se comprometido com a construção de novos confortos. Ainda que não tenha que agir fisicamente, às vezes resta-lhe a dificílima tarefa de saber observar. E bem observar é colaborar para mover, como observar uma partícula quântica.
Pois esse novo conforto que se constrói, que sempre é uma parte da Espiral, traz o paradoxo do desconforto, o que eu prefiro chamar de “estranhamento”, valendo-me do que Freud chamou de “estranho” (não tenho tempo par explicar, recomendo ler sobre isso junto aos grandes psicanalistas). Trazer a atenção para um comportamento vicioso, uma vaidade, uma ilusão, ou coisa que o valha, é provocar um desconforto, sim. Mas desconforto para os apegos materiais e imediatistas. O crescimento psíquico recebe esse desconforto como o que de fato é: um estranhamento. Esse desconforto frente ao apego material é o alumbramento (como diz Manuel Bandeira) espiritual, é a experiência de mais um passo na realização das vocações sublimes.
O que traz mais conforto à alma e aos pares. E vitaliza as corporações.
Penso que assim é.
 

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